A Talk with Sandra Delgado
Sandra Delgado was one of the principal photographers and editors for the Viva Favela collective. Since the Viva Favela years she has made several documentary films (Terceiro Sinal), and created several exhibitions and installations. She is currently living in Los Angeles working on screenplays and directing a new documentary film about the Brazilian artist Marilena Ansaldi.
This conversation was carried out in May of 2022 over email between Peter Lucas in New York and Sandra Delgado in Los Angeles.
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Quando eu entrei no Viva Favela, cheguei para somar na equipe de fotografia, coordenada por Kita Pedroza, principal Editora de Fotografia que esteva presente desde o início do projeto, quando foi feita a seleção dos fotógrafos comunitários: Walter Mesquista de Queimados, Deise Lane da Maré, Tony Barros da Cidade de Deus, Rodrigues Moura do Alemão e Nando Dias da Rocinha. A produção do grupo já estava intensa e precisavam de outra fotógrafa/editora para dar conta das matérias que iam ao ar no site. A proposta do Viva Favela de ter uma rede de correspondentes comunitários (texto e foto) em parceria com jornalistas, sempre me encantou e com o tempo, superou minhas expectativas, quando eu entedia o conjunto de ações ali presentes como transformadoras. E as mudanças não eram apenas na forma como a favela era retratada pela mídia, mas também na auto estima das pessoas retratadas e dos próprios correspondentes comunitários.
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Como eu não morava em nenhuma das comunidades que eu retratava, uma coisa era fundamental, estar sempre acompanhada de um(a) repórter da própria comunidade, por uma questão de segurança, esta pessoa tinha muitos conhecidos ali e abria os caminhos. A partir deste momento, a empatia se criava. Como editora de fotografia, estava dedicada a selecionar o material mais forte visualmente, que não só ilustrasse a matéria escrita, como também criasse uma síntese visual. Como tínhamos uma limitação na quantidade de fotos publicadas por matéria, fazíamos galerias de fotografias para dar visibilidade à produção fotográfica.
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As reuniões editoriais também eram sessões de terapia em grupo. Por um lado, ouvíamos depoimentos emocionantes de quem vivia testemunhando guerras entre tráfico, polícia e milícia. Falava-se de perdas e dificuldades dose todo tipo, saúde, educação, transporte, violência, etc. E tinham os momentos hilários, interessantes e curiosos que os correspondentes traziam propostas inusitadas e os jornalistas os ajudavam a encontrar um caminho para cada cobertura. Sempre havia muita cobrança de prazos de entrega do material, pois a proposta era ter uma revista digital nova a cada semana. Depois as matérias passavam pelos redatores e o crédito era quase sempre compartilhado entre o correspondente comunitário e o redator. À medida que os correspondentes foram ganhando mais experiência e autonomia, passaram a assinar sozinhos.
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Os meus temas preferidos eram as matérias que investigavam a memória e a mulher.
As histórias das comunidades eram contadas através de entrevistas com os moradores mais antigos, que acabaram dando origem a um site específico: “Favela tem Memória”. Na parte de fotografia, não só fazíamos reprodução de fotografias de álbum de família, como também fizemos uma parceria com o Arquivo Nacional e lá reproduzíamos imagens históricas das favelas cariocas. Outra tema que sempre me atraiu foi a questão da Mulher e junto à repórter Gisele Netto, fizemos o site “Beleza Pura”- que focava na perspectiva das mulheres da comunidade.
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Em 2003, estive na Vila Mimosa pela primeira vez, acompanhada da repórter Gisele Netto, para produzir uma série de reportagens para o site Beleza Pura. Lá ficamos amigas de Cleide Almeida, coordenadora da Amocavim, uma associação que cuidava da saúde das mulheres e tentava criar oportunidades de emprego para elas.
O desemprego e o salário mínimo indecente eram os principais motivos que as levam à vender o próprio corpo, muitas sustentam filhos e famílias inteiras. A maioria das mulheres que fotografei não mostrava o rosto. Isso sempre foi respeitado. Poucas se orgulhavam do trabalho de faziam e se divertiam no cotidiano da Vila. Mas a realidade é, que mesmo sem cafetões, e com certa autonomia, nunca era fácil, existia o perigo da violência, ganhava-se pouco e o risco de contrair doenças era real. A rotatividade era grande e maioria das mulheres estava ali de passagem.
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Rodrigues sempre foi perfeccionista e super profissional, sempre entregava a sua produção dentro do prazo combinado e tinha orgulho da sua comunidade. Como ele foi fotógrafo durante toda sua vida, fotografava eventos sociais, festas e casamentos no Complexo do Alemão, desde antes de ser correspondente comunitário, não só era muito conhecido, como também era muito caprichoso, suas fotos tinham sempre um enquadramento clássico e ele sempre nos surpreendia com imagens de forte impacto visual, como a inesquecível menina judoca premiada que ele fotografou de costas, de braços abertos segurando prêmios com a favela ao fundo - era uma síntese do próprio Viva Favela. Um dos seus mais lindos ensaios fotográficos foi a Folia de Reis no Morro da Formiga.
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Nós fizemos uma série de exposições do Foto Favela (FotoRio 2003, FotoRio 2005) em espaços de exibição oficial da cidade que foram importantes, mas a melhor de todas foram as intervenções urbanas nas comunidades cariocas: Rocinha, Complexo do Alemão, Maré, Queimados e Piscinão de Ramos.
Uma realização que só foi possível graças ao prêmio de Direitos Humanos e Fotografia Documental que o coletivo recebeu da Open Society Institute, Fundação Soros, em 2006.
Primeiramente pensamos em ocupar as Associações de Moradores locais, mas chegamos a feliz conclusão de imprimir as imagens em lona vinílica à prova d’água e colocá-las nas ruas das comunidades. Em cada lugar, tínhamos “padrinhos”, moradores que cuidavam das imagens e a exibiam diariamente. Acho que pela primeira vez, uma grande intervenção urbana artística e cultural com a temática da favela tomou as ruas das comunidades.
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Era um tipo de iniciativa que demandava um financiamento grande na época, com uma equipe de jornalistas e correspondentes. Hoje em dia, a maioria dos canais de jornalismo independentes como Democracy Now, The intercept, etc, contam com contribuições do público - talvez , nos dias de hoje, fosse a forma de manter o projeto vivo. Em relação ao arquivo fotográfico, pensamos em criar uma agência de imagens, como o modelo do Observatório das Favelas, que poderia ter viabilizado o trabalhos dos fotógrafos.
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Acho que a cegueira e o preconceito que existiam não é o mesmo, acho que muitos projetos bacanas que aconteciam nas comunidades ganharam visibilidade com o tempo, com o trabalho do Viva Favela e de outros projetos parceiros.
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Item descriptionDepois que o projeto perdeu o financiamento e teve que ser modificado, a solução encontrada para continuar existindo foi a participação independente de moradores que eram vocais e queriam se expressar através de um veículo, e apesar de ser diferente do projeto original, acredito que manteve a alma do Viva Favela.